O cachorro pode até ser o melhor amigo de muitos homens, mas certamente não será daquele vizinho que todo dia tem de ouvir latidos intermitentes ou daquele outro que, quando sai apressado para o trabalho, precisa parar para limpar os sapatos sujos de cocô espalhado nas áreas comuns do condomínio.
Conflitos envolvendo animais de estimação em prédios são comuns e, por vezes, apenas a mediação do condomínio não é suficiente para resolver as discórdias, que não raro acabam na Justiça. Segundo síndicos, o barulho e a falta de higiene são as principais reclamações.
A Constituição garante aos cidadãos o direito de propriedade, desde que respeitem o bem-estar do outro. Dessa forma, a não ser que haja motivo justo, lutar contra os pets em condomínio é batalha perdida. Todo morador pode ter em casa gato, cachorro, passarinho ou papagaio. Se quiser, pode ter todos esses ao mesmo tempo.
Não resta alternativa aos condomínios a não ser estabelecer regras de convivência entre quem gosta e quem não gosta dos bichos para manter o ambiente harmônico.
O condomínio pode restringir o local de trânsito dos animais, proibindo a circulação, por exemplo, em elevadores sociais ou playgrounds. Mas, segundo o advogado imobiliário especialista em condomínios Rodrigo Karpat, tal medida não deve caracterizar situações vexatórias ou abusivas aos donos dos pets.
Um prédio que tem elevadores, mas que obriga um morador a usar a escada para sair de casa com o animal, pode ser condenado por danos morais. Da mesma forma, um edifício que tem apenas escadas também pode ser denunciado à Justiça se obrigar uma pessoa a carregar o animal no colo.
O engenheiro mecânico Gerson da Silva, 37, tem hérnia de disco e sente dores na região lombar. Ainda assim, durante meses, teve de carregar no colo a bulldog Pandora, de 28 quilos, porque seu condomínio na região norte de São Paulo proíbe que o animal passeie no chão. Da sua casa até a portaria, conta, são cerca de 200 metros de caminhada.
Depois de tentativas fracassadas de mudar as normas do prédio, decidiu recorrer à Justiça. Mas Gerson perdeu a causa. Apesar das dores, a juíza entendeu que o engenheiro é uma pessoa jovem e saudável, portanto, com condições de levar o animal de 28 quilos para passear no colo.
Não existe, na lei, artigo que trate especificamente de pets em condomínios, e cada caso é analisado individualmente.
Como alternativa, Gerson acabou comprando um carrinho para Pandora, que parece de bebê.
“Hoje a gente passa vergonha, porque as pessoas ficam olhando um cachorro dentro de um carrinho que se parece com um de uma criança”, afirma Gerson.
Assim como medidas consideradas abusivas contra os donos de animais, ações que afetam os bichinhos também podem ser questionadas. No estado de São Paulo, o decreto 48.533, de 2004, obriga o uso de focinheira às raças pit bull, rottweiller, mastim napolitano e american staffordshire terrier, consideradas mais ferozes.
Em relação a outras raças de porte grande, como são bernardo e o dogue alemão, a regra é o bom senso, e a focinheira costuma ser imposta apenas ao animal que é agressivo.
Casos de expulsão do animal só acontecem em situações extremas. Em geral, os condomínios se baseiam em três pontos: segurança, sossego e saúde dos moradores.
Antes disso, o síndico pode recorrer a advertências e multas que, nos casos mais graves, podem chegar a dez vezes o valor do condomínio.
Para uma atitude ainda mais drástica, é preciso haver o incômodo chamado extraordinário. Segundo Cristina Della-Cella, da Della-Cella Souza Advogados, se um cão late quando o dono chega em casa ou se alguém bate à porta, independentemente do horário, tal comportamento é considerado uma situação rotineira e não é motivo para a retirada dele do condomínio.
Ela compara o caso ao de uma criança, que também faz barulho em qualquer horário.
Somente se considera incômodo extraordinário som em excesso e prolongado, o que geralmente acontece quando os donos não estão em casa. Nesse caso, o juiz pode determinar a visita de um perito ao condomínio para medir os decibéis do barulho.
A pastora suíça Nymeria, de nove meses, é um cão de guarda e late sempre que percebe qualquer movimentação no hall de entrada do apartamento de um condomínio em Santa Cecília, região central de São Paulo. O latido de Nymeria é forte e o barulho já provocou reclamações.
Quando estão em casa, o engenheiro Maurício Cavalli e a advogada Juliana Rodrigues premiam Nymeria com biscoito sempre que há movimentação no hall e ela se mantém calma. O problema, contam, é quando eles não estão.
“Para mitigar a situação, nós mesmos conversamos com os vizinhos, pedimos desculpas e explicamos que a Nymeria ainda está em fase de desenvolvimento”, afirma Maurício.
Na cidade de São Paulo, uma pessoa pode criar até dez cães ou gatos em casa. Dependendo do imóvel, porém, ter muitos bichos pode configurar maus-tratos aos animais.
O servidor público e ativista pelos direitos animais Leandro Ferro critica as regras de convivência dos condomínios, que considera defasadas. Segundo ele, um ambiente inclusivo, com espaços que permitem a circulação dos bichos, como quadras de esportes, poderia, até mesmo, estimular a adoção de animais.
“Hoje há muita intolerância contra os animais, e o ambiente do condomínio deixa isso mais evidente”, diz Leandro.
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52,2 milhões
era o número de cachorros vivendo em domicílios no Brasil em 2013
22,1 milhões
era o total de gatos no mesmo ano
44,3%
dos 65 milhões de domicílios do Brasil em 2013 tinham ao menos um cachorro
17,7%
das residências brasileiras tinham, no mínimo, um gato naquele ano
Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde 2013 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), levantamento mais recente sobre animais de estimação no país
Fonte: Folha de São Paulo