Leis condominiais sofreram alterações extraordinárias durante isolamento causado pela pandemia; alta de reclamações foi de quase 100% no período
Quase todos os dias, vou ao subsolo do prédio onde moro para levar o lixo.
O condomínio disponibiliza diferentes lixeiras coletivas para coleta responsável dos moradores, ou seja, espaço para lixo comum, resíduos orgânicos e recicláveis. Porém, essa separação nem sempre é respeitada à risca. Na vaga da garagem, um condômino estacionava seu carro indevidamente na vaga que eu deixei alguns meses desocupada. Durante o home office, problemas com barulho de obras fora de hora foram situações estressantes durante a pandemia. Acompanhamos discussões, ofensas e xingamentos, abuso de bebidas e festas em horário inapropriado.
Independente do condomínio, as regras estão dispostas sempre na lei. Existe uma legislação com código civil, que traz a partir do artigo 1331 a 1358 regras gerais que precisam de complementação. E essas regras são complementadas em acordo pelos instrumentos existentes dentro do condomínio para regular a convivência. São elas: Convenção, Regimento Interno e as Deliberações em Assembléia. “Esses regimentos tratam de todas as questões e problemas do condomínio, desde a destinação específica de áreas até o uso de espaços para convivência”, explica Rodrigo Karpat, advogado e especialista em gestão de condomínios, responsável pelo atendimento de mais de 300 condomínios no Brasil, a maioria em São Paulo.
Segundo o advogado, os principais problemas de convívio no âmbito condominial, são chamados dos “5 C ‘s”: cachorro, carro, cano, criança e calote. Desde a chegada da pandemia, a Covid-19 assumiu o posto de “6º C”: o advogado viu o número de reclamações crescer “100 vezes”, o que demandou assessoria jurídica de todos os síndicos dos empreendimentos atendidos. “Fomos acionados por problemas do dia a dia, relacionados às novas regras. As principais foram: fechamento e abertura das áreas comuns, autorização ou não de visitantes, obrigatoriedade do uso de máscaras e autorização para obras”, afirma.
Houve casos mais sérios, como de moradores de condomínios que cometeram suicídio. “Soltamos uma nota de solidariedade à família, pensamos em ações de conscientização, comunicados preventivos, sempre analisando caso a caso, mas valorizando o espírito de comunidade de cada lugar”, diz Karpat. Foram registradas também ocorrências de atos sexuais em espaços de circulação e problemas causados por morador alcoolizado que acabou invadindo a residência do vizinho. Como era esperado, pessoas ainda criticando as restrições nas áreas comuns do condomínio.
Outro ponto que virou até ação no tribunal revertido pelo advogado envolvia um cachorro. Muitos moradores pegaram animais como companhia durante a pandemia. Rodrigo destaca que adotar um animal é um gesto que exige grande responsabilidade. Uma das dicas é pensar se o porte é adequado para o espaço antes de comprar ou adotar um bichinho, quanto tempo ele vai precisar ficar sozinho e se vai ser possível oferecer a atenção necessária para o seu bem-estar.
Questões envolvendo moradores mais idosos também precisam de atenção. Muitos ficaram restritos a idas ao supermercado e farmácia para compra de itens básicos. Nesses casos, o zelador do prédio foi liberado para ajudar esses moradores buscando sacolas e medicações de emergência. Vale lembrar que moradores que não se adequam às regras do condomínio podem ser advertidos previamente e receber multas previstas na convenção do condomínio. “Grande parte das multas preveem o valor de uma cota condominial e, na reincidência da ocorrência, a multa é dobrada. Essa cláusula é padrão, mas cada condomínio pode agir de acordo com a sua convenção”, explica.
Condôminos podem pedir a saída de morador problemático?
Segundo Karpat, existe a possibilidade legal de impedimento de uso de uma das características da propriedade, que é a posse. Se o morador é declarado antissocial, isso pode ser feito administrativamente baseado no artigo 1.337 do código civil, que prevê a remoção do condômino que reiteradamente prejudica o convívio dos demais. O processo pode ser aberto mediante apresentação de provas e aplicação de multa de até 10 vezes o valor da taxa condominial, sendo decidido em assembleia com voto qualificado dos condôminos. Porém, em casos extremos, a justiça priva o proprietário de morar no imóvel – não significa privar de alugar ou vender a propriedade, mas de exercer o convívio.
Tendências
Muitos condomínios passaram por períodos de desorganização, seja pelo número de ocorrências ou pela troca do síndico ou de funcionários. Essas mudanças aumentaram a necessidade da profissionalização da gestão, “o que valoriza ainda mais o empreendimento e ajuda na modernização de gestão”, defende Rodrigo. Outra tendência é o aumento da automatização dos espaços: o custo da mão de obra é mais cara e mais sensível em casos como o da pandemia. Além de funções de segurança, assembleias de moradores também poderão ser virtuais permanentemente no pós-pandemia. “Muitas pessoas devem ficar em regime de home office de forma permanente, então alguns condomínios deverão ter que mudar seus perfis. Por exemplo: a obra que deveria ocorrer das 8h às 17h passa a ser autorizada apenas aos finais de semana ou em horários alternativos”, diz Rodrigo.
Com o crescimento do home office, muitos condomínios estão repensando áreas comuns para ter cada vez mais opções de serviços que facilitam o dia a dia, como mercado, uma academia maior, armários para receber compras no e-commerce, carro para locação dentro do condomínio e empreendimentos que já oferecem pontos de recarga para carros elétricos. Em setembro, foi decretada em São Paulo a lei estadual que torna obrigatório aos condomínios – comerciais ou residenciais – comunicar aos órgãos de segurança pública ocorrências ou quaisquer indícios de casos de violência doméstica de mulheres, crianças, adolescentes e idosos. A denúncia deve ser feita até 24 horas após o ocorrido. Além disso, os condomínios devem ter placas sobre o teor da nova lei para conhecimento de todos os moradores.
Fonte: Estadão