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Os shopping centers e a “cláusula de raio”

Os shopping centers e a “cláusula de raio”

Ladislau Karpat*

A validade ou não da chamada “cláusula de raio” tem sido motivo de intensa discussão. Mais adequadamente denominada de “cláusula de exclusividade”, ela garante (ou ao menos deveria) o não estabelecimento de um lojista próximo a outro com a mesma bandeira ou denominação comercial. A restrição é uma estratégia mercadológica que se espalhou rapidamente entre empreendedores de shopping centers.

Essa ferramenta tem como objetivo principal defender os interesses do empreendimento ou até do próprio lojista, e protegê-los contra o que se chama de “concorrência depredatória”. Neste contexto, a cláusula pode ser aceita em benefício de ambos os contratantes.

Para melhor entender esta situação é necessário conhecer o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Este órgão, criado por lei federal, tem como papel principal controlar e, quando necessário, intervir e reprimir as infrações contra a ordem econômica. Não seria errôneo opinar, por exemplo, que o Cade veio para auxiliar e socorrer a livre concorrência, quando esta é ameaçada.

Resta saber, portanto, se de alguma forma a cláusula de exclusividade fere este conceito de livre concorrência. A nosso ver não. A medida apareceu no mundo moderno como uma forma negocial, obrigando o contratante e contratada à cláusula de “exclusividade”, ou seja, não concorrer sem respeitar idêntica condição.

A adoção da cláusula, por meio de contrato ou ato unilateral, esbarra em muitas outras questões de ordem jurídica, como a alegação de que existe o favorecimento ilícito da concorrência. Ou seja, obrigar o contratado a se abster de concorrer, e o próprio contratante ou qualquer outro concorrer em seu lugar.

Porém, não é o que se pretende. A cláusula, como condição bilateral, restrita a concorrência em seu contexto, num espaço limitado, e também o uso do mesmo nome de fantasia da marca. O objetivo da restrição é proteger o comerciante perante a concorrência desleal.

De modo razoável, deve-se restringir a concorrência para possibilitar e permitir a ambos os contratantes o retorno do investimento. Ao adotar este entendimento como sendo correto, é necessário que o próprio franqueado obtenha também de seu franqueador idêntica condição. Não se pode falar em eliminação de concorrência e nem mesmo em limitação, mas sim em regulação desta.

O fato que trouxe à tona esta questão e tornou-a importante foi a proliferação dos shopping centers nos grandes centros urbanos. Não é difícil encontrar dois empreendimentos, às vezes até mais, muito próximos um do outro, quando não, literalmente, um de cada lado da avenida nas grandes metrópoles.

Como parte substancial do aluguel em shopping centers é estipulada em percentual sobre as vendas, a ausência desta proteção concorrencial expõe os lojistas e empreendedores a uma diminuição em suas vendas e, consequentemente, da arrecadação de renda. Tal circunstância, portanto, prejudica tanto o empreendedor quanto o lojista.

Por melhor intencionado que o Cade seja ao intervir para regular e fiscalizar a livre concorrência nos shopping centers, ele acaba atropelando relações bilaterais necessariamente estabelecidas. Isso porque, a cláusula é de resguardo e não de eliminação da concorrência. Não consigo, portanto, enxergar necessidade de interferência do Cade na questão aqui tratada.

Os shopping centers, antes mesmo de organizarem suas lojas, planejam o seu “TENANT-MIX”, que é o espaço total dividido por atividade desenvolvida. Na medida em que atua na discussão da relação empreendedor-lojista, o Cade acaba indiretamente intervindo no “TENANT-MIX” de um empreendimento, obrigando o empreendedor a se organizar de outras formas.

A medida não causa a menor ofensa à liberdade de iniciativa e de concorrência, porque existe apenas uma pequena limitação geográfica. Esta é estabelecida no resguardo dos interesses de um determinado empreendimento e do próprio lojista, que também sofreria com as consequências da falta de proteção concorrencial.

O problema é quando a cláusula de exclusividade foge de seu objetivo. Ela se torna abusiva na medida em que proíbe o lojista a se estabelecer nas proximidades de outro com o mesmo ramo de atividade. A restrição nesse caso obriga o lojista a não concorrer, possibilitando que qualquer outro concorra em seu lugar. No final, caberá ao Judiciário analisar a declaração, decretação ou eliminação de cláusulas consideradas abusivas incluídas em contratos de locação.

É de longa data que expresso a ideia de que a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), em conjunto com a Associação de Lojista em Shopping Centers (Alshop), deveria elaborar regras mais claras para que as diversas interpretações sobre concorrência nesses espaços sejam esclarecidas.

Com o número cada vez maior de centros comerciais, a aplicação dessa restrição precisa de um regramento próprio. Com a existência de uma legislação voltada para esse tema, certamente estes empreendimentos não sofreriam com a indevida interferência do Cade, que estaria apto para desempenhar seu papel muito mais importante em outras relações comerciais.

*Ladislau Karpat é advogado do escritório Karpat Sociedade de Advogados

 

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