Diante da pandemia de COVID-19, diversas empresas e condomínios têm ingressado em juízo visando a postergação das obrigações tributárias, a fim de amenizar o impacto financeiro. Alguns destes contribuintes já obtiveram decisões favoráveis, servindo o presente para comentar sobre duas delas.
Uma empresa prestadora de marketing multinível, cujos serviços são prestados diretamente por consultores aos consumidores, ajuizou Tutela Antecipada Antecedente em face da Fazenda do Estado de São Paulo, em trâmite na 1ª Vara do Fórum de Jandira, sob o nº 1000929-94.2020.8.26.0299, pleiteando que o recolhimento do ICMS e os parcelamentos fossem postergados por 90 dias após o término da restrição de atividades não essenciais tendo em vista que, em razão da quarentena, o fluxo de suas atividades reduziram drasticamente. Alternativamente, requereu o diferimento dos vencimentos dos tributos e parcelamentos vencidos em março, abril e maio de 2020, bem como a vedação de inclusão do nome da empresa no CADIN e demais órgãos de restrição.
Por meio de despacho inicial, o juízo indeferiu os pedidos de postergação dos recolhimentos dos tributos, mas acolheu a medida cautelar para que o Fisco se abstenha de adotar medidas restritivas em face da empresa:
“Por fim, vale citar que, negada a liminar, nada impede ao juízo a adoção de medida cautelar diversa para assegurar a tutela de direito material pretendida. In casu, é notório que a continuidade de exercício de atos de império, notadamente aqueles coercitivos extrajudiciais para implemento de crédito, podem de forma imediata sonegar do empresário a manutenção de sua atividade nesta situação de excepcionalidade. Assim, INDEFIRO a liminar e CONCEDO, de ofício, MEDIDA CAUTELAR para determinar ao FISCO que, sem prejuízo da MORA, ABSTENHA de exercer meios coercitivos extrajudiciais para adimplemento do crédito tributário, em especial a retenção de mercadorias, bloqueio de emissão de notas fiscais, inscrição da parte autora no CADIN, suspensão total ou parcial de atividade, negativa de recebimento parcial do imposto ou de parcelas futuras sob condição de quitação de débitos pretéritos, etc, em razão de débitos de ICMS relacionados a parcelamentos vigentes e fatos geradores originados a partir da suspensão das atividades não essenciais por ato governamental até 90 dias do encerramento das medidas de restrição de circulação de pessoas e exercício das atividades, garantindo à parte a emissão de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, caso necessário.”
A respectiva decisão ainda não é definitiva e é passível de recurso pelas partes.
Cabe ainda destacar que uma empresa impetrou um Mandado de Segurança em face a Prefeitura de São Paulo sob o nº 1018048-30.2020.8.26.0053, em trâmite na 7ª Vara da Fazenda Pública do Fórum Central de São Paulo-SP, requerendo a postergação de ISS e IPTU, bem como a suspensão de pratica de medidas restritivas em face da empresa.
O pedido se fundamentou nos princípios: a) da capacidade contributiva[1] e o não-confisco[2]; b) valorização do trabalho e da livre iniciativa, bem como a função social da empresa[3]; e c) moralidade e razoabilidade[4], pois a empresa foi severamente atingida uma vez que diversos clientes pararam de adquirir novos produtos e serviços, dificultando arcar com suas obrigações já contratadas.
O despacho inicial negou o pedido liminar, mas, posteriormente, por meio do Agravo de Instrumento nº 2067266-72.2020.8.26.0000, perante a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi concedido efeito ativo ao recurso para determinar a suspensão da exigibilidade do ISS e IPTU e suas obrigações acessórias por 60 dias sem a incidência de quaisquer penalidades:
“Nesse sentido, entendo que esta tentativa, possui um objetivo maior, alcançável a longo prazo e conquanto, numa análise imediata e de curto prazo, se possa implicar aparente perda para o Fisco, o que se pretende com a medida ora deferida são ganhos sociais mais efetivos, à medida que a manutenção do empreendimento implicará significativa manutenção de empregos, movimentação da economia, manutenção da saúde financeira de fornecedores, entre inúmeros outros ganhos, imprescindíveis para o enfrentamento desta crise sem precedentes.
(…)
Desta feita, concedo o efeito ativo ao presente recurso somente para determinar a suspensão da exigibilidade do ISS e IPTU, bem como das obrigações acessórias correlatas, pelo prazo de 60 sem a incidência de quaisquer penalidades.”
O mérito do recurso citado ainda está pendente de julgamento.
Constata-se que, perante o Judiciário, os contribuintes estão conseguindo obter decisões favoráveis visando a manutenção de suas atividades, a fim de minimizar os prejuízos sofridos em decorrência da pandemia do COVID 19.
[1] “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(…)
- 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
[2] “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;”
[3] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
IV – livre concorrência;
(…)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
[4] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”
Autor: José do Carmo Carneiro da Cunha e Silva – Advogado tributarista da Karpat Sociedade de Advogados