A sociedade contemporânea está inserida na era da revolução da informação e com os avanços da tecnologia a informação assumiu papel central na economia e na sociedade. Com o acesso cada vez maior ao mundo digital, as relações sociais parecem também ter migrado para o mundo virtual.
Assim, em meio à era da informação vimos constantemente conteúdos de cunho pessoal sendo divulgados nos mais diversos meios de comunicação, incluindo-se a internet.
Diuturnamente, mesmo não querendo, somos alimentados por uma quantidade enorme de fatos e dados, e muitas pessoas ainda não se deram conta de que a rede mundial de computadores perpetua as notícias e informações que ali são lançadas, sendo praticamente impossível ser esquecido.
Também conhecido como o “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”, o direito ao esquecimento não é um direito novo. Historicamente, pode-se encontrar suas primeiras referências no artigo “The Right to Privacy”[1], publicado na Revista de Direito de Harvard, em 1890, e em jurisprudência francesa, datada de 1905, que teve decisão favorável ao pleito do direito de proibir a exibição da imagem de uma pessoa durante uma cirurgia, obtida para fins acadêmicos e didáticos por um médico cirurgião, cujo encarregado pela filmagem vendeu algumas cópias que passaram a ser exibidas inclusive em salas de cinemas.
Porém, o caso que evidenciou o direito ao esquecimento é o caso “Lebeach”, ocorrido em 1969 na Alemanha, quando um condenado que já teria cumprido a sua pena, obteve decisão favorável ao buscar a tutela jurisdicional para impedir que seu nome fosse veiculado em reportagem que retrataria novamente, o caso no qual ele havia sido condenado, o que comprometeria o seu direito a ressocialização.
O direito ao esquecimento pode ser entendido como o direito que uma pessoa tem de não permitir que um fato ocorrido em algum momento da sua vida, ainda que verídico, seja exposto novamente de forma pública, causando-lhe sofrimento ou transtornos, ou seja, seria a possibilidade de se desconsiderar e abstrair fatos depreciativos ocorridos no passado, entendidos como danosos à índole e à privacidade do indivíduo.
Ele é considerado por alguns como um direito de personalidade e associado à dignidade da pessoa humana, tanto é que em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana, abaixo transcrito:
Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Ocorre que o direito ao esquecimento tem encontrado óbice no direito de liberdade de manifestação e de liberdade de imprensa.
O Marco Civil da Internet[2], sancionado em 2014, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Embora essa Lei não tenha abordado especificamente o direito ao esquecimento, ela trouxe algumas regras para se permitir a remoção de conteúdos da internet, sob o crivo do poder judiciário.
Não só é fato que a revolução da informação é um fenômeno irreversível como também que o homem tem o direito de resguardar a sua personalidade em diversas situações, deve a sociedade buscar um equilíbrio entre a prestação de notícias e a reserva da vida privada.
O direito ao esquecimento foi discutido em audiência pública do Supremo Tribunal Federal, em junho de 2017, tendo sido delineadas três posições: a posição pró-informação – que nega a existência do direito ao esquecimento por falta de previsão legal; a posição pró-esquecimento – que defende que esse direito deriva da dignidade da pessoa humana; e a posição intermediária – que entende que a Constituição não permite a hierarquização prévia de seus princípios, devendo ser utilizado o método de ponderação, objetivando o menor sacrifício possível para cada interesse.
Em recente julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.010.606, envolvendo o caso Aida Cury, o STF teve que ponderar os princípios e direitos dispostos na Constituição Federal, ou seja, o direito do particular afetado pela disseminação do conteúdo vexatório e o direito de liberdade de expressão, tendo sido firmada a tese de que há incompatibilidade do direito ao esquecimento com a Constituição Federal, vejamos parte do voto do ministro relator, Dias Tofolli:
É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar em razão da passagem do tempo a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.
Em voto divergente, no mesmo caso, o ministro Gilmar Mendes afirmou que:
No caso dos autos, extrai-se que era totalmente desinfluente para a comunicação do desenrolar dos fatos o histórico de vida, além da exposição de fotos pessoais da vítima, sem contar a versão da suposta ingenuidade desta em aceitar subir à cobertura de um edifício na companhia de outra pessoa. Nesse caso, a matéria extrapolou o direito de informar e trouxe uma visão deturpada ao público, expondo indevida e vexatoriamente a vítima, em programa televiso de cadeia nacional. Sendo assim, é caso de dar parcial provimento ao apelo extremo para registrar que viola o direito à intimidade, à vida privada e a proteção ao nome e à imagem como atributos do direito da personalidade, a exposição de fotos e histórico pessoal, mediante interpretação indevida e vexatória de fatos em reportagem televisiva que expõe e rememora fatos ocorridos em passado distante, determinando a devolução ao Tribunal de origem para apreciar o pedido de indenização por danos morais, sob tais premissas e nos termos do art. 20 do Código Civil.
Desta forma, dadas as peculiaridades envolvendo o tema, o direito ao esquecimento deverá ser analisado, caso a caso, questionando-se, se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se houver, deve prevalecer o direito à informação; se não houver, deve prevalecer o direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado. Portanto, de todo o exposto, pode-se deduzir que embora o direito ao esquecimento não atribua a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, ele assegura a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, ou seja, o modo e a finalidade com que são lembrados, se há interesse público atual ou apenas o interesse do divulgador em obter vantagem financeira com a nova divulgação daquela notícia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/ConstituicaoCompilado.Htm. Acesso em: 22 Ago. 2021.
BRASIL. Conselho Federal de Justiça, Enunciado nº 531. VI Jornada de Direito Civil. Brasília, 2013. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/vijornada.pdf. Acesso em: 22 Ago. 2021.
BRASIL. Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 22 Ago.2021.
FERNANDES, Katiana. Direito ao esquecimento. Disponível em: https://katianafernades.jusbrasil.com.br/noticias/395456412/direito-ao-esquecimento. Acesso em: 22 Ago. 2021.
MACHADO, José. O direito ao esquecimento e os direitos da personalidade. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/cc13.pdf?d=636808306388603784. Acesso em: 22 Ago. 2021.
MARTINEZ, Pablo Dominguez. Direito ao Esquecimento: A proteção da Memória Individual na Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014.
ORTEGA, Flávia Teixeira. O que consiste o direito ao esquecimento? Jusbrasil. Disponível em: https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento. Acesso em: 22 Ago. 2021.
RECONDO, Felipe. As três correntes do direito ao esquecimento. JOTA Info. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-tres-correntes-do-direito-ao-esquecimento-18062017. Acesso em: 22 Ago. 2021.
WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, Vol. 4, nº 5. (Dec. 15, 1890), pp. 193-220. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/1321160?seq=1#metadata_info_tab_contents. Acesso em 22 ago. 2021.
[1] WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, Vol. 4, nº 5. (Dec. 15, 1890), pp. 193-220. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/1321160?seq=1#metadata_info_tab_contents. Acesso em 22 ago. 2021.
[2] Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014.
Cleide Tavares Bezerra. Advogada em São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade São Francisco (USF). Especialista em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados de São Paulo (ESA-OAB/SP). Especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).