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Direito do Trabalho domina ações que chegaram ao Poder Judiciário em 2021

Quando se pensa nos assuntos jurídicos que mais frequentemente alcançam manchetes e geram discussões no Brasil, logo vêm à cabeça temas como corrupção, grandes crimes ou decisões polêmicas dos ministros do Supremo Tribunal Federal. No entanto, não são esses os tópicos que compõem o “arroz com feijão” do Poder Judiciário no país. Afinal de contas, um dos motivos para esses pontos gerarem tanto interesse é justamente o fato de não serem corriqueiros.

Os problemas jurídicos com os quais os cidadãos lidam no dia a dia são mais, digamos, mundanos — mas nem por isso menos importantes.

No dia 1º deste mês, o Conselho Nacional de Justiça publicou a 19ª edição do relatório “Justiça em Números”, um retrato fiel das atividades do Judiciário brasileiro no ano passado. Entre as informações ali reunidas, estão indicadores que desnudam a estrutura da Justiça e mostram aos brasileiros a que os tribunais se dedicaram em 2021.

Esse levantamento é considerado a principal fonte de mensuração da atividade judicial no país e tem como maior objetivo a apuração da eficiência e da economicidade das unidades judiciárias pelo Brasil.

Nesta edição, a pesquisa revelou que, em relação aos assuntos mais frequentes no Judiciário brasileiro, o campeão absoluto de 2021 foi o Direito do Trabalho, ocupando os três primeiros lugares. A primeiríssima colocação ficou com a vertente focada na rescisão dos contratos de trabalho — 9.093.217 de ações, ou 8,53% do total. O restante do pódio pertence a questões ligadas à duração do trabalho — 4.659.181 (4,37% do total)  — e a verbas remuneratórias e indenizatórias e aos benefícios — 4.399.429 (4,13% do total).

Para Matheus Gonçalves Amorim, advogado trabalhista e sócio do escritório SGMP Advogados, o aspecto que explica a predominância do Direito do Trabalho no ranking de temas mais presentes na Justiça em 2021 é a epidemia da Covid-19. “Em 2020, muitos impactos econômicos foram amenizados pelo estabelecimento de políticas públicas de emprego e renda. Contudo, logo após isso, em 2021, tivemos um cenário em que muita gente foi dispensada porque as empresas simplesmente não conseguiram se recuperar da crise”, opina ele.

“Além das rescisões, houve questões como as horas extras e o teletrabalho, que mudaram profundamente o regime trabalhista com a adaptação veloz ao home office. Assim, discussões sobre contratos, os limites de horas trabalhadas e os pormenores das jornadas em casa acabaram desaguando no Judiciário no ano passado”, explica Amorim.

É de se pensar que, com mais de 18 milhões de processos chegando à Justiça do Trabalho em 2021 apenas em três áreas, os tribunais estariam enfrentando certa dificuldade para lidar com a demanda. Para o especialista, porém, a situação é positiva.” A Justiça do Trabalho tem se mostrado muito capaz de receber esses pleitos”, diz ele. “O tempo médio do trâmite de um processo trabalhista é muito menor do que em outros ramos do Judiciário, o que tem sido impulsionado pela digitalização e pelo consequente aumento da produtividade”.

Segundo Guilherme Lemos, responsável pelo departamento trabalhista e sócio da banca Karpat Sociedade de Advogados, a expectativa é que grandes números de processos ainda sejam registrados na Justiça do Trabalho por um bom tempo. “Há muitas questões que ainda não foram assentadas, a exemplo do controle das jornadas no home office. Também existem novas leis que versam sobre o assunto, o que deve aprofundar o debate.”

Logo atrás do Direito do Trabalho em quantidade de demandas vem o Direito Civil, no tocante a obrigações e espécies de contratos — 4.183.091 de ações (3,92% do total) —, e o Direito do Consumidor, no que diz respeito a responsabilidade do fornecedor e indenizações por danos morais — 3.074.985 (2,88%). Juntos, eles chegaram a mais de sete milhões de processos em 2021.

Na opinião de Heloína Miranda, head de Direito Civil e Contencioso Cível do GVM Advogados, a Covid-19 também teve um papel decisivo na popularização desses temas. “Durante a crise, muitas empresas não conseguiram honrar seus contratos, enquanto diversas pessoas físicas precisaram rescindir os compromissos firmados. Para isso, diante da incerteza trazida pelo cenário pandêmico, recorreram aos tribunais.”

Em relação ao Direito do Consumidor, ela argumenta que a crise agravou uma situação já existente: a cultura da falta de respeito das pessoas jurídicas com os clientes. Somado às dificuldades econômicas trazidas pela Covid-19, esse fator fez com que centenas de empresas tenham se tornado incapazes de lidar com o consumidor da forma estabelecida em lei.

Segundo a advogada, há boas alternativas para lidar com essa demanda. “Diversos escritórios têm se especializado em Direito Civil, por exemplo”, pontua. “Já no Poder Judiciário, a questão será resolvida por meio de decisões que afetam blocos inteiros de demandas, solucionando todas de uma vez.”

De acordo com Heloína, deve haver uma queda na procura pelos tribunais civis conforme o Judiciário comece a fixar jurisprudências em relação aos contratos que estão sendo contestados.

Por fim, na Justiça Federal, o assunto mais pleiteado no ano passado foi o Direito Previdenciário, especificamente aquele ligado ao auxílio-doença. Para Matheus Amorim, é impossível dissociar essa procura das abruptas mudanças pelas quais a humanidade passou em 2021. “Isso levou muitas pessoas a desenvolverem doenças como obesidade ou problemas de saúde mental, como depressão e burnout, além da própria Covid-19″, diz ele. Assim, seria inevitável que houvesse mais pedidos relacionados ao auxílio-doença na Justiça.

Outros números
Para além dos temas mais demandados, o “Justiça em Números 2022” trouxe dados sobre a produtividade do Judiciário no ano passado. Registrou-se, por exemplo, uma expansão de 11,1% no número de casos em relação a 2020. Houve, no período, o ingresso de 27,7 milhões de ações, representando um crescimento de 10,4%. Mais de 97% desses processos chegaram à Justiça em formato eletrônico.

Além disso, o ano passado terminou com 62 milhões de ações judiciais em andamento, sendo que o Índice de Produtividade de Magistrados aumentou 11,6%, equivalendo a 6,3 casos solucionados por dia útil do ano, sem descontar férias e recessos. Já para os servidores que atuam na área judiciária, a carga de trabalho cresceu 6,4%, chegando a 543 processos por pessoa.

A atividade judiciária arrecadou mais de R$ 73 bilhões em 2021, cobrindo quase três quartos das despesas da Justiça. O número é o segundo maior da série histórica, superado apenas pelo de 2019.

Compilações de dados como esta permitem não apenas que a sociedade verifique a produtividade e a eficiência de um sistema criado para atendê-la, mas também para que ela possa entender melhor os próprios anseios. Ademais, estudos como o “Justiça em Números 2022” podem servir de base para a criação de políticas públicas mais informadas e precisas.

“Tais levantamentos são muito importantes, tanto para o Poder Judiciário, que pode direcionar seus investimentos de acordo com as tendências observadas, como para os advogados e escritórios de advocacia. Ambos podem investir seus esforços em treinamento ou em contratação de equipes nas áreas mais demandadas, de modo a melhor poder atender a necessidade de população e também economizar em seus custos com despesas que se mostrarão menos necessárias ao longo do tempo”, explica Francisco Fragata Jr., sócio do Fragata e Antunes Advogados.

Dessa forma, sobretudo em períodos delicados e únicos como o da crise causada pela Covid-19, a publicação de levantamentos como o “Justiça em Números” pode mostrar o que o dia a dia muitas vezes não deixa entrever, como a prevalência de processos trabalhistas e o crescimento da eficiência dos magistrados.

Clique aqui para ler o relatório “Justiça em Números 2022”

Fonte: Conjur

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