A Lei do Inquilinato ou Lei de Locações estabelece quais são as garantias que podem ser utilizadas em um contrato de locação de imóveis urbanos. Uma das garantias mais utilizadas é a fiança locatícia e, embora seja bastante comum, é necessário tomar alguns cuidados para que a garantia seja cumprida de maneira eficaz.
Cabe ressaltar que é expressamente vedado a utilização de mais de uma modalidade de garantia para o mesmo contrato, sendo nula a segunda, ou mais garantias, prestadas em um único instrumento contratual.
COMO FUNCIONA A FIANÇA NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO?
Sendo um tipo de garantia, a fiança assegura que um terceiro (fiador) se torne responsável pelo cumprimento da obrigação. Em termos práticos: quando o inquilino não pagar o aluguel ou demais encargos, essa obrigação poderá ser cobrada do fiador.
QUAIS OS REQUISITOS PARA VALIDADE DO CONTRATO DE FIANÇA?
- A fiança é um tipo de contrato acessório, ou seja, subsiste a partir da existência de um contrato principal, por exemplo, o contrato de locação. Nesse caso, é fundamental que o contrato de locação seja válido para que o contrato de fiança também o seja.[1]
- Forma escrita: para que a garantia seja válida esta precisa constar expressamente no contrato de maneira escrita, com anuência, ou seja, concordância do fiador. Assim, o fiador será responsável apenas pelo que se obrigou nos termos do contrato (Art. 819, CC).
- Autorização do cônjuge: nesse caso, o cônjuge também pode se tornar fiador ou apenas aceitar que o outro se torne garantidor da obrigação com sua parte nos bens. Cuidado! Sem autorização do cônjuge, a fiança é anulável.
Assim, para que a fiança funcione como uma garantia eficaz nos contatos, é preciso que seus requisitos de validade sejam cumpridos.
QUAIS OS LIMITES DE RESPONSABILIDADE DE UM FIADOR?
Como tratado acima, o contrato de fiança se limita ao que está expressamente escrito, e não cabe interpretação extensiva. Nesses termos, em regra, os limites da responsabilidade de um fiador nos contratos de locação são estabelecidos no próprio instrumento, normatizados pelo Código Civil e Lei de Locações.
Os principais limites são:
- Prazo contratual: Nos contratos de locação, a fiança, geralmente, é imposta até a efetiva entrega das chaves. Isso significa que, caso o contrato se prorrogue por tempo indeterminado, o fiador continuará responsável pela garantia até o momento da entrega das chaves.
O fiador, no entanto, pedir exoneração da responsabilidade ao término do prazo inicialmente previsto no contrato, mediante notificação prévia, continuando responsável pelos efeitos da fiança por até 120 dias após a notificação (o prazo pode ser reduzido caso um novo fiador seja aceito pelo locador). [2]
A Súmula 7 do Tribunal de Justiça de São Paulo dispõe exatamente sobre o tema: “Nos contratos de locação, responde o fiador pelas suas obrigações mesmo após a prorrogação do contrato por prazo indeterminado se não se exonerou na forma da lei.”
- Falecimento do fiador: a obrigação da fiança passa aos herdeiros, mas se limita a data de falecimento do fiador e não pode ultrapassar ao que este deixou de herança.[3]
- Falta de anuência do fiador: Caso o locador e locatário estabeleçam novas obrigações, sem a concordância do fiador, este não estará obrigado a cumprir novo acordo ou obrigação diferente da estipulada no contrato inicial.[4] Exemplo: conversão de uma dívida em outra, substituindo a primeira.
O FIADOR É RESPONSÁVEL POR PARCELAMENTOS DE DÉBITOS DO LOCATÁRIO?
Essa é uma dúvida bastante comum, uma vez que a lei não obriga o fiador a cumprir novas obrigações assumidas pelo locatário, sem o seu consentimento expresso como fiador.
Diante disso, a incerteza se a negociação de débitos configuraria um novo acordo precisou ser discutida nos tribunais.
Nos tribunais, o entendimento não é uniforme. Cabe análise de cada caso e tipo de acordo. Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, entende, em alguns casos, que o simples parcelamento de débitos não exonera o fiador. [5]
No entanto, se ficar caracterizada a novação (nova obrigação), moratória (aumento de prazo para pagamento de uma dívida), ou qualquer negociação que altere os termos da fiança, o fiador poderá se desobrigar de cumprir a garantia. [6]
COMO GARANTIR QUE O FIADOR NÃO SEJA EXONERADO DA OBRIGAÇÃO?
A principal forma de assegurar que o fiador cumpra suas obrigações, sem depender da análise sobre a possibilidade ou não de exoneração em cada caso, a qual, como vimos, pode gerar muitas discussões no judiciário, é exigindo a anuência do fiador em qualquer negociação relacionada ao contrato de locação.
[1] Código Civil. Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.
[2] Lei no 8.245/1991. Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos: (…)
X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
[3] Código Civil. Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.
[4] Código Civil. Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal.
[5] “(…) moratória a que se refere o art. 838, I, do CC, como causa de exoneração da fiança, consiste em prorrogação de termo, protraindo sua exigibilidade. Não se caracteriza pela simples inércia ante o recebimento do débito vencido e exigível ou mesmo em vista do parcelamento dessa dívida (..)” STJ – REsp: 1374184 AL 2013/0073244-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 12/11/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2019)
[6] Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:
I – se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
II – se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;
III – se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.
Autor: Carlos Eduardo Alves Lazzarin
Especialista em Direito Imobiliário pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV/SP. Especialista em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV/SP. Advogado Especializado em Direito Imobiliário na Karpart Sociedade de Advogados. Professor e Palestrante em temas imobiliários e condominiais.