Instalação de bandeiras e afins é proibida, de acordo com o Código Civil. Veto se deve ao fato de que fachadas de edifícios não podem ser mudadas
Pouco depois de instalar a bandeira do Brasil de 2,80 metros por 1,80 metro na varanda do apartamento, o técnico de informática Julio Zanatto recebeu a informação de que o item poderia render a ele uma multa de R$ 600 do condomínio em que vive em São Paulo –quatro vezes mais que o preço do item.
A ideia era postar uma foto na conta do Instagram da bandeira instalada no 23º andar com a legenda “sou brasileiro, paulista, amo verde e amarelo e ninguém vai mexer no meu telefone celular [uma referência à proibição de se usar o aparelho de telefone na cabine de votação anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral nesta semana].” Porém, a bandeira foi retirada, e o post não veio.
“Na primeira vez, o síndico, unilateralmente, pode multar o morador, que pode apelar para uma assembleia contestando a multa”, explica Luciano Godoy, professor da FGV e especialista em direito privado. “Se a assembleia seguir o síndico e o morador infringir novamente o código, ele pode ser multado mais uma vez, agora sem apelação, em até cinco [vezes].”
Com o feriado iminente, quando o país celebra 200 anos da Independência, eleições próximas e Copa do Mundo no fim do ano, o calendário no Brasil sugere que casos como o de Zanatto podem se tornar cada vez mais comuns nos próximos meses.
Um dos moradores do local estendeu a bandeira do Brasil e disse que só aceita retirá-la mediante um decreto policial. Ele declarou que é patriota e, por isso, não vai retirar o item, segundo a síndica, que o considera um dos mais tranquilos do condomínio.
“Isso já virou polêmica e todos sabem que vai dar problema até porque as pessoas estão bem descompensadas”, diz a síndica. Ela estuda a possibilidade de permitir o uso de bandeiras só para a Copa do Mundo e com prazo de retirada.
Nos últimos anos, o verde e amarelo da bandeira do país vem sendo associado ao guarda-roupa de apoiadores do governo Bolsonaro (PL). Porém, em um movimento recente, artistas antibolsonaristas tentam resgatar os símbolos apropriados por apoiadores do presidente.
Nas ruas da capital paulista, a bandeira do Brasil ao lado da imagem de Jair Bolsonaro (PL) é vista em sacadas. Caso de um apartamento no Jardim Europa a faixa ainda conta com o lema da campanha do presidente: “Brasil Acima de Tudo e Deus Acima de Todos”.
O advogado Rodrigo Karpat, da comissão especial de direito condominial da OAB-SP, afirma que estender uma bandeira não se trata, necessariamente, de um hábito ruim, mas o Código Civil deve ser respeitado. “Se não pode pintar ou alterar esquadrilhas, não pode usar bandeira”, diz ele.
Segundo Karpat, condomínios já estão enfrentando conflitos com alguns moradores que citam liberdade de expressão quando síndicos tentam proibir.
“O problema é que não se pode dizer que a bandeira do Brasil pode, mas a do Jair Bolsonaro não, a do PT também não. A partir do momento que permite, as pessoas pensam que roupas também podem ser estendidas e fica muito difícil de regular”, avalia o advogado.
Porém, nem todos os síndicos criam embates com os moradores. Karpat diz que a maioria faz vista grossa por ocorrerem em momentos transitórios. O problema, diz ele, é que em meio a eleições polarizadas como as deste ano o ato de estender bandeiras partidárias pode gerar brigas entre os condôminos.
Luciano Godoy, da FGV, ressalta que questão deve ser tratada com bom senso. “É sobre liberdade de expressão, então, caso um morador levante o tema, sempre há de se deliberar. As pessoas têm deveres, mas também têm direito de se manifestar”, afirma o docente.