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Títulos de Crédito Eletrônicos

Duplicata “Virtual” e a regulamentação dada pela Lei nº 13.775, de 20.12.2018

Resumo: Este artigo aborda a duplicata virtual como um título de crédito eletrônico, passando pela evolução doutrinária, jurisprudencial e legislativa do tema, que pacificaram a executoriedade das duplicatas “virtuais”, culminando com a promulgação da Lei nº 13.775/18.

Palavras-chave: Títulos de Crédito Eletrônicos; Duplicata Virtual.

SUMÁRIO

Introdução

  1. Títulos de Crédito
  2. Elementos Essenciais dos Títulos de Crédito
  3. Desmaterialização dos Títulos de Crédito
  4. Títulos de Crédito Eletrônicos
  5. Duplicata “Virtual”

Conclusão

Referências bibliográficas

Introdução

Há muito, os títulos de crédito escriturais sujeitam-se a uma nova leitura de seus elementos considerados essenciais, através do instituto da desmaterialização dos títulos de crédito, tendo o Código Civil vigente, no § 3º do seu artigo 889, apenas solidificado tal posicionamento, de forma a garantir a efetiva mobilização do crédito em um mercado tão dinâmico quanto o atual.

Estruturei este artigo em 5 seções. Esta brevíssima introdução é seguida da primeira seção que dá uma rápida visão sobre os títulos de crédito. A segunda seção versa sobre os elementos essenciais dos títulos de crédito. Já a terceira seção aborda o fenômeno da desmaterialização dos títulos de crédito. A quarta seção dedica-se aos títulos de crédito eletrônicos. A quinta seção examina a duplicata virtual, seguida de uma breve conclusão.

  1. Títulos de Crédito

Segundo ensinamentos do Ilustre jurista Cesare Vivante[1] título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado.

De acordo com estudiosos, os títulos de crédito surgiram na Idade Média, por criação da Ordem dos Templários, que entre os séculos XII e XIII, eram os principais fornecedores de crédito (verdadeiros estabelecimentos bancários informais).

Os títulos de crédito são classificados em:

  • próprios – letra de cambio, nota promissória;
  • impróprios – duplicata, cheque;
  • de Legitimação – bilhetes de metrô e ônibus, ingressos;
  • de Investimento – CDB, LCI, CRI;
  • de Financiamento – cédulas e notas de crédito rural, industrial, à exportação e comercial;
  • representativos – conhecimento de frete;
  • armazeneiros – warrant, conhecimento de depósito;
  • do Agronegócio – cédula de produto rural, warrant agropecuário, conhecimento de depósito agropecuário, letra de crédito do agronegócio, certificado de recebíveis do agronegócio, nota comercial do agronegócio;
  • inominados ou atípicos – “fica” ou “vaca-papel”.
  1. Elementos Essenciais dos Títulos de Crédito

Os requisitos básicos para a emissão dos títulos de crédito, em geral, estão previstos nas leis especiais, a saber:

Letra de Câmbio – artigo 1º, do Decreto nº 2.044/1908; e, artigos 1º e 2º do Decreto nº 57.663/1965;

Nota Promissória – artigo 54, do Decreto nº 2.044/1908; e, artigo 76 do Decreto nº 57.663/1965;

Duplicata – artigo 2º da Lei nº 5.474/1968;

Cheque – artigo 2º da Lei nº 7.357/1985.

Segundo determina o Código Civil, em seu artigo 889, § 1º, no título de crédito deve conter: data da emissão, data do vencimento, indicação precisa dos direitos que confere, e assinatura do emitente.

Assim, os elementos essenciais são:

  • literalidade – segundo o qual, só é considerado válido o que estiver escrito no título;
  • autonomia – que significa que cada pessoa que se obriga no título está assumindo uma obrigação autônoma; e,
  • cartularidade – que pressupõe a posse do documento para o exercício do direito nele mencionado.
  1. Desmaterialização dos Títulos de Crédito

Na virada do Século XIX para o XX surgiram diversas invenções e do Século XX para o XXI apareceram diversas inovações tecnológicas, consolidando assim, a transformação digital.

Conforme ensinamentos sempre precisos do Ilustre Professor Doutor Newton de Lucca, “pelos títulos de crédito, deslocava-se a propriedade dos bens materiais para pedaços de papel, que nada mais eram do que a própria corporificação desses bens”[2], e se em um primeiro momento, materializados, permitiu que o mundo mobilizasse as próprias riquezas, ou seja, atendiam às necessidades da circulação de crédito, com o passar dos anos, revelou-se necessária a substituição do papel por outros meios menos onerosos e mais eficientes à circulação ágil do crédito.

Os sistemas bancários de alguns países se viram sobrecarregados pelo excesso de títulos entregues aos bancos, tanto para a operação de desconto quanto para a operação de cobrança, passando a pensar na adoção de alguns mecanismos que substituíssem o papel pela fita magnética dos computadores[3]. Nessa época a França adotou a Cambial-Extrato e a Alemanha adotou a Nota de Débito, que tinham a função de prova de pagamento.

Considerando-se que a sociedade é complexa e por isso as normas jurídicas, em tese, devem ser genéricas e abstratas, para contemplar todas as possíveis situações de fato que tenham relevância, elas devem ser instrumentos capazes de viabilizar a interpretação do sistema e conferir-lhe segurança sem o engessar com leis ineficazes.

Segundo nos ensina Amaro Moraes e Silva Neto, “quando surge um fato novo, já existe ao menos uma estrutura legal a permiti-lo, a suportá-lo e a regulá-lo na órbita do Direito. Em outras palavras: naqueles dias as coisas transitaram normalmente e apenas um ou outro acerto se fez necessário para serem acomodadas umas poucas sutilezas legais aos figurinos do ordenamento jurídico já existente, pois que os profissionais do direito de então viam o que, normalmente, o Homem qualquer não via”[4].

Em 1997, o Professor Arnoldo Wald, ao escrever um artigo sobre o regime legal da Cédula de Produto Rural (CPR)[5], nos esclareceu que “a tendência moderna é do reconhecimento da viabilidade da existência de títulos de crédito imateriais, nos quais o documento-suporte do crédito é substituído por um registro informático idôneo”.

Levando-se em conta a ameaça de sufocamento do sistema por conta da avalanche de títulos, e diante do novo método de circulação eletrônica, ao entrar em vigência, o Código Civil de 2002, no § 3º, do seu artigo 889, dispôs que “o título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos nesse artigo”.

No entanto, contrariamente ao entendimento da maioria dos juristas, que viram neste dispositivo a introdução no direito positivo brasileiro dos títulos de crédito eletrônicos, o Professor Fabio Ulhoa Coelho[6] afirmava que referido dispositivo apenas tratava da possibilidade “da emissão do título a partir de caracteres criados em computar”, e que isso estava “longe de corresponder à admissibilidade do meio eletrônico como suporte”.

E mais, que “a juridicidade do título de crédito eletrônico resulta, …, da colmatação da lacuna existente no ordenamento jurídico nacional, feita nos termos do artigo 4º da LICC, mediante a invocação do Princípio Geral, reconhecido pelo Direito Comercial Internacional, da Equivalência Funcional”.

O Princípio da Equivalência Funcional (ou não-discriminação) citado pelo Professor Fabio U. Coelho, está formulado no artigo 5º da lei-modelo da Uncitral (Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional) de 1996, aperfeiçoada em 1998, e determina que “não se negarão efeitos jurídicos, validade ou executividade à informação tão-somente pelo fato de se encontrar na forma de mensagem de dados”.

Assim, tanto o suporte papel quanto o suporte eletrônico, em relação ao documento jurídico, desempenham as seguintes funções: acessibilidade (acesso às informações registradas); integridade das informações registradas (qualquer adulteração pode ser apurada por perícia); reprodutibilidade (possibilidade de cópia do documento); autenticação por assinatura (assinatura digital – criptografia assimétrica); e, função probatória.

Com vistas a elidir resistências à admissão do suporte eletrônico dos títulos de crédito, a “V Jornada de Direito Civil” de 2011, com relação aos títulos de crédito elaborou os seguintes Enunciados:

461 – “os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificação digital, respeitadas as exceções previstas em lei.”

462 – “as duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação dos serviços.”

Em consequência, passaram a ser admitidas em nosso ordenamento jurídico, sem maiores questionamentos, a duplicata escritural e o protesto por indicação, a partir de comunicações eletrônicas.

  1. Títulos de Crédito Eletrônicos

Como vimos, a evolução da humanidade e os avanços tecnológicos fez com que o direito se amoldasse e reconhecesse a viabilidade da existência de títulos imateriais, onde o “papel” que era o suporte do crédito é substituído por um registro informático idôneo.

O Professor Leonardo Parentoni[7], definiu documento eletrônico “como o texto escrito que representa um fato e tem como suporte material uma mídia eletrônica”.

Para o Professor Fabio Ulhoa Coelho “título de crédito eletrônico é o documento eletrônico representativo de direito autônomo ao recebimento de quantia líquida”[8].

Com relação aos elementos essenciais dos títulos de crédito, importante ressaltar que a literalidade resta mantida, na medida em que continua obrigatória a correspondência entre o teor do título e as informações de crédito das quais decorrem; que a autonomia também resta mantida, uma vez que há segurança na cadeia de eventuais endossos (prova da legitimação do detentor); e com relação à cartularidade, a mesma também restará mantida, se a interpretarmos como documentalidade.

Em que pese alguns doutrinadores entenderem a cartularidade como a “necessidade da exibição do título de crédito para o exercício do direito”, há que se ressaltar que, quando a expressão cártula foi introduzida por Bonelli na literatura jurídica italiana em 1904, tinha a finalidade de mostrar a íntima conexão entre o direito mencionado e o próprio título, e não o papel em si.

  • Nota Promissória Eletrônica

Segundo o Professor Fabio Ulhoa Coelho, a “nota promissória eletrônica é o documento eletrônico de que constam todos os requisitos essenciais (informações) exigidos pelos artigos 75 e 76 da Lei Uniforme de Genebra”[9].

  • Letra de Câmbio Mercantil

A Lei nº 11.882/2008, que dispõe sobre a Letra de Câmbio Mercantil (LAM), em seu artigo 3º, autoriza que este título seja, desde o início, emitido em forma escritural eletrônica, bem como que circule desta maneira, sem a existência de cártula/papel, vejamos:

“Art. 3º. A LAM será emitida sob a forma escritural, mediante registro em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizada pelo Banco Central do Brasil.

Parágrafo único. A transferência de titularidade da LAM será operada no sistema referido no caput deste artigo, que será responsável pela manutenção do registro das negociações.”

O art. 4º determina que: “Aplica-se à LAM, no que não contrariar o disposto nesta Lei, a legislação cambiária.”

  1. Da Duplicata à Duplicata “Virtual”

Embora a duplicata tenha surgido como uma alternativa ao saque das letras de câmbio, devido a não se conseguir precisar de que modo surgiu o instituto, conclui-se que o antecedente remoto foi o revogado artigo 219 do Código Comercial (Lei nº 556/1850), que ao tratar da fatura comercial, assim rezava:

“Art. 219. Nas vendas em grosso ou por atacado entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicado, no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo do pagamento, presume-se que a compra foi à vista (artigo nº. 137). As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de 10 (dez) dias subsequentes à entrega e recebimento (artigo nº 135), presumem-se contas líquidas.”

Sua consagração ocorreu na década de 20 da centúria passada, e na sequencia sobreveio a Lei nº 187/1936, que posteriormente foi substituída pela Lei nº 5474/1968.

O jurista Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.[10] define duplicata como o “título de crédito formal, impróprio, causal, à ordem, extraído por vendedor ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque fundado sobre crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu pressuposto a extração da fatura.”

Imperioso esclarecer que a partir das intermediações bancárias, o credor ao invés de emitir a cártula e encaminhá-la ao sacado, passou simplesmente a informar aos bancos os dados do título (identificação e endereço do devedor, valor do crédito e data de vencimento), passando estes a se encarregar de encaminhar ao devedor o boleto de cobrança (boleto bancário).

Assim, nas décadas de 70 e 80, o boleto bancário passou a fazer o papel da duplicata, ou seja, substituiu-se a circulação da cártula pelo crédito escritural.

Nas palavras de Fran Martins[11], “o título escritural é aquele que não tem cártula; nasce e atua por via de computador, por e-mail, por Internet, não possui assinatura usual. Na assinatura digital há a transformação da comunicação criada e, com isso, surge o que autores costumam chamar de cártula eletrônica, conjunto de dados do título consubstanciado na memória do sistema eletrônico”.

Já na década de 90, para que uma duplicata (comum) pudesse ter força executiva, deveria ser comprovada a remessa e o recebimento da mercadoria.

Em 19.10.2009, a FEBRABAN iniciou a operação de Débito Direto Automático (DDA) que permite ao cliente acessar o boleto registrado no sistema financeiro e lhe dar o aceite.

Conforme ensinamentos da Professora Maria Bernadete Miranda[12], “nas duplicatas escriturais não existe a materialização do título numa cártula em papel”, ela “não é remetida para o aceite do devedor”, é apenas “enviado um boleto bancário para que se faça o pagamento”.

Dessa forma, como as duplicatas emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica (virtuais) podiam ser protestas por mera indicação (art. 8º, § único, da Lei nº 9.492/1997), os boletos bancários vinculados ao título virtual, acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação de serviços, passaram a constituir títulos executivos extrajudiciais, mostrando-se viável sua execução, ao menos desde 2011, conforme se depreende da decisão abaixo copiada, esposada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO COMPROVANTE DE RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. 1. As duplicatas virtuais – emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica – podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/97. 2. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais. 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1.024.691-PR, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.03.2011, DJe 12.04.2011).

Contra a decisão da Ministra foram interpostos embargos de divergência, igualmente rejeitados por unanimidade, na forma que segue:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA DEMONSTRADA. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO INSTRUMENTO DE PROTESTO, DAS NOTAS FISCAIS E RESPECTIVOS COMPROVANTES DE ENTREGA DAS MERCADORIAS. EXECUTIVIDADE RECONHECIDA. 1. Os acórdãos confrontados, em face de mesma situação fática, apresentam solução jurídica diversa para a questão da exequibilidade da duplicata virtual, com base em boleto bancário, acompanhado do instrumento de protesto por indicação e das notas fiscais e respectivos comprovantes de entrega de mercadorias, o que enseja o conhecimento dos embargos de divergência. 2. Embora a norma do art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 permita o protesto por indicação nas hipóteses em que houver a retenção da duplicata enviada para aceite, o alcance desse dispositivo deve ser ampliado para harmonizar-se também com o instituto da duplicata virtual, conforme previsão constante dos arts. 8º e 22 da Lei 9.492/97. 3. A indicação a protesto das duplicatas mercantis por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados encontra amparo no art. 8º, § único, da Lei 9.492/97. O art. 22 do mesmo Diploma Legal, a seu turno, dispensa a transcrição literal do título quando o Tabelião de Protesto mantém em arquivo gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica do título ou documento da dívida. 4. Quanto à possibilidade de protesto por indicação da duplicata virtual, deve-se considerar que o que o art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 admite, essencialmente, é o protesto da duplicata com dispensa de sua apresentação física, mediante simples indicação de seus elementos ao cartório de protesto. Daí, é possível chegar-se à conclusão de que é admissível não somente o protesto por indicação na hipótese de retenção do título pelo devedor, quando encaminhado para aceite, como expressamente previsto no referido artigo, mas também na de duplicata virtual amparada em documento suficiente. ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP DIREITO COMERCIAL 14 5. Reforça o entendimento acima a norma do § 2º do art. 15 da Lei 5.474/68, que cuida de executividade da duplicata não aceita e não devolvida pelo devedor, isto é, ausente o documento físico, autorizando sua cobrança judicial pelo processo executivo quando esta haja sido protestada mediante indicação do credor, esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria e o sacado não tenha recusado o aceite pelos motivos constantes dos arts. 7º e 8º da Lei. 6. No caso dos autos, foi efetuado o protesto por indicação, estando o instrumento acompanhado das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados, não havendo manifestação do devedor à vista do documento de cobrança, ficando atendidas, suficientemente, as exigências legais para se reconhecer a executividade das duplicatas protestadas por indicação. 7. O protesto de duplicata virtual por indicação apoiada em apresentação do boleto, das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados não descuida das garantias devidas ao sacado e ao sacador. 8. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos” (STJ, REsp 1.024.691/PR, 2ª Seção, rel. Min. Raul Araújo, j. 22.08.2012, DJe 29.10.2012).

Assim, a duplicata “virtual’ que conhecemos é uma forma de circulação escritural e eletrônica do crédito e não do próprio título.

Nesse cenário, a Lei nº 13.775, promulgada em 20.12.2018, veio regulamentar a emissão de duplicata sob a forma escritural, para circulação como efeito comercial (art. 2º).

Esta lei determina que a emissão da duplicata sob a forma escritural “far-se-á mediante lançamento em sistema eletrônico de escrituração gerido por quaisquer das entidades que exerçam a atividade de escrituração de duplicatas escriturais” (art. 3º, caput).

As entidades aqui referidas, “deverão ser autorizadas por órgão ou entidade da administração federal direta ou indireta a exercer a atividade de escrituração de duplicatas” (art. 3º, § 1º).

Se a escrituração for feita por Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos, a referida escrituração caberá ao oficial de registro do domicílio do emissor da duplicata (art. 3º, § 2º). Se esse oficial de registro não estiver integrado ao sistema central, a competência será transferida para a Capital da respectiva entidade federativa (art. 3º, § 3º).

Os lançamentos substituem o Livro de Registro de Duplicatas (art. 9º).

O valor dos emolumentos será de no máximo R$ 1,00 por duplicata (art. 3º, § 4º).

De acordo com o art. 4º, deverá ocorrer no sistema eletrônico, a escrituração, no mínimo, dos seguintes aspectos:

“I — apresentação, aceite, devolução e formalização da prova do pagamento;

II — controle e transferência da titularidade;

III — prática de atos cambiais sob a forma escritural, tais como endosso e aval;

IV — inclusão de indicações, informações ou de declarações referentes à operação com base na qual a duplicata foi emitida ou ao próprio título; e,

V — inclusão de informações a respeito de ônus e gravames constituídos sobre as duplicatas.”

A duplicata poderá ser paga utilizando-se qualquer meio de pagamento existente no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro (art. 5º). A prova de pagamento deverá ser informada no sistema eletrônico de escrituração, com referência expressa à duplicata amortizada ou liquidada (art. 5º, § único).

Os gestores dos sistemas eletrônicos de escrituração ou os depositários centrais, na hipótese de a duplicata emitida sob a forma escritural ter sido depositada de acordo com a Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013 (parcelamento de débitos com a FN), expedirão, a pedido de qualquer solicitante, extrato do registro eletrônico da duplicata (art. 6º).

No referido extrato, deverão constar, no mínimo (art. 6º, § 1º):

“I – a data da emissão e as informações referentes ao sistema eletrônico de escrituração no âmbito do qual a duplicata foi emitida;

II – os elementos necessários à identificação da duplicata;

III – a cláusula de inegociabilidade; e

IV – as informações acerca dos ônus e gravames.”

O referido extrato pode ser emitido em forma eletrônica, observados requisitos de segurança que garantam a autenticidade do documento (art. 6º, § 2º).

O sistema eletrônico de escrituração deverá manter em seus arquivos cópia eletrônica dos extratos emitidos (art. 6º, § 3º).

Será gratuita a qualquer solicitante a informação, prestada por meio da rede mundial de computadores, de inadimplementos registrados em relação a determinado devedor (art. 6º, § 4º).

A duplicata emitida sob a forma escritural e o extrato de que trata o art. 6º desta Lei são títulos executivos extrajudiciais, devendo-se observar, para sua cobrança judicial, o disposto no art. 15 da Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968 (Art. 7º).

Referida lei prevê ainda, a aplicação subsidiária da Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968 (art. 12), bem como que a apresentação será efetuada por meio eletrônico, observados os prazos determinados pelo órgão ou entidade da administração federal ou, na ausência dessa determinação, o prazo de 2 (dois) dias úteis contados de sua emissão (art. 12, § 1º).

O devedor poderá, por meio eletrônico, recusar, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos artigos 7º e 8º da Lei nº 5.474/68, a duplicata escritural apresentada ou, no mesmo prazo acrescido de sua metade, aceitá-la (art. 12, § 2º).

Para fins de protesto, a praça de pagamento das duplicatas escriturais deverá coincidir com o domicílio do devedor, salvo convenção expressa entre as partes que demonstre a concordância inequívoca do devedor. (art. 12, § 3º).

Segundo Leonardo Netto Parentoni[13], a duplicata virtual “nada mais é do que a adaptação desse procedimento às exigências contemporâneas de celeridade, à luz das novas tecnologias”.

Conclusão

A título de conclusão, a desmaterialização dos títulos de crédito foi possível a partir da nova leitura dada aos elementos ditos essenciais, na forma em que foram concebidos originalmente, inclusive no quanto pertinente à cartularidade, com vistas a buscar-se maior eficiência e menor onerosidade na circulação do crédito.

Assim, ao se falar em cartularidade, devemos entender documento e não papel, já que a noção de documento também abrange o documento em meio digital. O suporte em papel nada mais fez do que dar lugar ao suporte virtual, contemplando-se assim, todos os elementos essenciais também nos títulos de crédito eletrônicos.

A existência dos documentos eletrônicos não podendo mais ser negada, fez com que o ordenamento jurídico pátrio aceitasse essa nova realidade não só através da jurisprudência como também através da legislação, inicialmente no quanto disposto no artigo 889, § 3º do Código Civil, e recentemente, através da Lei nº 13.775/2018 que veio justamente regulamentar a duplicata escritural, conhecida como duplicata “virtual”, de forma a dar segurança às ‘novas’ práticas empresariais.

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[1] In Trattato di diritto commerciale. Volume III. 5ª Edição. Milão: Francesco Vallardi, 1935, pp. 123.

[2] Títulos e contratos eletrônicos: o advento da Informática e suas consequências para a pesquisa jurídica. Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes, 2005, p. 54.

[3] DE LUCCA, Newton. Op. Cit., p. 55.

[4] E-mails indesejados à luz do direito. 1ª Edição. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 21.

[5] Revista de informação legislativa, nº 136, ano 34.

[6] Títulos de Crédito Eletrônicos. Revista do Advogado nº 96, Ano XXVIII, p. 45.

[7] Documento Eletrônico: Aplicação e Interpretação pelo Poder Judiciário. Curitiba: Juruá, 2007. p. 36.

[8] Op. Cit., p. 44.

[9] Op. Cit., p. 44.

[10] Títulos de Crédito. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 673.

[11] Títulos de Crédito. 15 ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, nota 1, p.437.

[12] Fundamentos Jurídicos dos Títulos de Crédito Eletrônicos e a Duplicata Escritural. In, Direito Empresarial, Direito do Espaço Virtual e Outros Desafios do Direito – Homenagem ao Professor Newton De Lucca. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 630.)

[13] A Duplicata virtual e os títulos de crédito eletrônicos. Belo Horizonte: Revista da Faculdade de Direito UFMG nº 65, jul/dez.2014, p. 425.

 

 

Cleide Tavares Bezerra. Advogada em São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade São Francisco (USF). Especialista em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados de São Paulo (ESA-OAB/SP). Especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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