Arquitetos e advogados alertam para necessidade de autorização do dono do imóvel e quais compensações podem ser acordadas para não dar prejuízo ao locatário
Se você navegou pela internet durante esta semana, deve ter ouvido falar de Dora Figueiredo e a reforma de seu apartamento alugado. A influenciadora foi um dos assuntos mais comentados durante a semana na rede social X (antigo Twitter), ao contar que teve que se mudar por não conseguir pagar mais o aluguel do imóvel valorizado após obras realizadas por ela mesma. O caso ganhou ainda mais atenção quando foram denunciadas mudanças sem as autorizações devidas. E agitou os grupos de debates de curiosos, arquitetos e advogados sobre o que pode, não pode e o que vale a pena ser feito em um imóvel cuja propriedade é de outra pessoa.
A arquiteta Liz Marina Moreira, sócia do Estúdio Casa 70, acredita que é importante que o local de moradia tenha personalidade e traga conforto para a vivência diária. Mas explica que nada pode ser feito sem autorização do proprietário. Por isso, o ideal é alinhar possíveis intervenções ainda durante as visitas ao imóvel, seja uma casa ou um apartamento, antes de assinar o contrato de aluguel.
— A fase de vistoria do imóvel é fundamental para realizar a análise de melhorias e mudanças que podem ser consideradas e definidas com o proprietário, estabelecendo quais as vantagens para ambos. Realizar orçamentos e avaliar o que seriam custos de responsabilidade única do locatário e os custos que podem ser negociados com indenização ou ressarcimento do proprietário — diz.
De modo geral, segundo Liz, reparos superficiais costumam ser os mais aceitos: trocas de torneira, luminárias, pintura de paredes e instalação de prateleiras. As modificações de embelezamento ou para aumentar a qualidade de vida, no entanto, não são reembolsáveis, avisam advogados. As que valorizam o imóvel, como um armário embutido ou uma cozinha planejada, podem gerar acordo neste sentido. Mas é importante formalizá-lo, pois o proprietário não é obrigado a aceitar. Apenas reformas urgentes e necessárias, como o reparo de um vazamento, têm o custeio assegurado pelo locador.
— Mesmo que seja viável, o proprietário pode não querer uma banheira ou piscina no imóvel dele — exemplifica Rodrigo Karpat, advogado especialista em Direito Condominial e Imobiliário e sócio da Karpat Advogados.
Quando há um acordo para compensação de gastos do inquilino na melhoria do imóvel, a forma mais comumente adotada tem sido o desconto no aluguel, explica Karpat:
— Pra realizar uma obra, não é necessário um advogado. Mas é necessário para aditar um contrato na relação entre o inquilino e o proprietário, formalizando a autorização de alguma mudança. Via de regra, é acordado desconto no aluguel. Por exemplo, se o inquilino custear uma obra de R$ 10 mil, o aluguel de R$ 5 mil pode sair por R$ 4 mil ao longo de 10 meses.
No caso de apartamento alugado, além do acordo com o proprietário, pode ser necessária autorização do condomínio para algumas mudanças dentro do imóvel. São elas: retirada ou construção de paredes, troca de revestimentos, intervenções elétricas para instalação de equipamentos, mudanças na rede hidráulica, alterações em varandas ou terraços. Para a aprovação, costuma ser pedida apresentação de projeto e registro de responsabilidade técnica emitido por profissional especializado.
E o que vale a pena?
Mesmo com autorização do proprietário, nem sempre as mudanças no imóvel alugado são recomendadas. Para Liz Moreira, é importante levar em consideração o prazo pelo qual pretende morar no imóvel e observar o tamanho do investimento a ser realizado, de acordo com a necessidade para deixar os ambientes mais agradáveis.
— Investir em móveis de tamanho padrão pode valer a pena pois a chance de reaproveitá-los em outro imóvel é maior. Investimentos considerados permanentes, como o móvel planejado, podem valer a pena se melhorar de fato o uso do local e for aprovado pelo proprietário, podendo o investimento ser ressarcido por ele — exemplifica.
Há acasos em que inquilinos investem em um imóvel alugado por conta de uma intenção de venda mencionada pelo proprietário e a expectativa de comprá-lo. Mas é preciso cuidado, acrescenta Marcelo Tapai, advogado especialista em Direito Imobiliário e sócio do Tapai Advogados. O modelo de contrato padrão costuma garantir 30 meses ao locatário, mas havendo acordo entre as duas partes, pode haver ampliação por meio de um aditamento.
Há ainda casos em que inquilinos investem em um imóvel alugado em razão de uma intenção de venda mencionada pelo dono e a expectativa de comprá-lo. Mas é preciso cuidado, explica Marcelo Tapai.
— A lei de locação garante o direito de preferência na venda. Ou seja, se o proprietário desejar vender o imóvel, tem que notificar o inquilino, que tem um mês para pedir a preferência e fazer a compra. Mas não existe como obrigar que o proprietário venda mais barato a este inquilino. Então se o imóvel valorizou no período, seja por reforma ou pelo tempo, o preço que ele vai praticar no mercado é aquele que o inquilino terá que pagar para comprar — pontua.
A saída para conferir personalidade ao imóvel, sem muitos gastos e burocracias, é a decoração, aconselha Rafael Terra, arquiteto sócio do escritório Casa Três:
— Pinturas, texturas na parede, tapetes, almofadas, plantas, painéis de marcenaria removível etc. Foi o que eu fiz, por exemplo, em um dos apartamentos que morei. Aproveitei das cores e texturas nas paredes, plantas nos ambientes, iluminação indireta em LED, que são facilmente instaladas e retiradas quando necessário — conta.
O que considerar
Não valem a pena – Para Liz Marina Moreira, de forma geral, mudanças consideradas permanentes como troca de revestimentos só valem a pena se realmente são uma prioridade ao locatário e, claro, se couber no orçamento. A menos que haja compensação do locador.
Valem a pena – Mudanças reversíveis, como pintura e troca de peças de iluminação valem a pena. Investir em objetos decorativos é outra solução simples para dar a sua personalidade a um imóvel.
A depender – Se existir móveis planejados no imóvel e o estado de conservação não está dos melhores, adesivar ou envelopar é uma solução rápida e de baixo investimento, assim como trocar puxadores. Pintura de azulejo ou piso também pode ser uma ótima alternativa. Mas ainda assim é necessário ter aprovação do proprietário.
Mobília – A dica de Rafael Terra é apostar em móveis que possam ser realocados. Mesmo para móveis planejados de marcenaria, é recomendado utilizar painéis modulares, que são facilmente removidos quando necessários, e em medidas que caberão em outros apartamentos ou casas.
Entenda o caso de Dora
Na pandemia, Dora Figueiredo resolveu alugar e reformar um apartamento em São Paulo, o que acabou valorizando a quitinete, de 14 metros quadrados, e levou ao locador a aumentar o preço do aluguel. Ela conta que pretendia comprar o imóvel depois das obras, mas não assinou nenhum contrato oficializando o acordo.
Em uma série de vídeos , a influenciadora conta problemas como falta de assistência da empresa contratada para realizar a obra, a Doma Arquitetura, mostra o resultado da reforma e revela que será obrigada a tirar toda a marcenaria feita sob medida para entregar o apartamento.
Dora Figueiredo e a Doma Arquitetura não enviaram posicionamento até a publicação desta reportagem.